segunda-feira, junho 26, 2006

Estava para seleccionar umas citações...

...mas um pedaço de prosa como este, só mesmo no integral!

DN, hoje
"Matou a Joaninha e foi a pé para Fátima a seguir"
Por:Fernanda Câncio Gonçalo Santos

Só posso dizer que ele foi uma excelente companhia na nossa caminhada para Fátima. Agora penso: ai meu Deus, ao que a gente estávamos sujeitas, ali sozinhas naquelas estradas com ele." Maria Casimira Alves abana a cabeça, incrédula, apoiada na mesa da cozinha. "E pensar que partimos com ele a 12 de Maio, quatro dias depois do desaparecimento da Joana.Matou a Joaninha e foi para Fátima a seguir, já viu? Dizia que tinha resolvido de um momento para o outro.

"A filha, Carla Sofia, 16 anos, acabada de se sentar à mesa, com um amigo, para jantar, junta-se à conversa. "Ó mãe, ficaste toda contente por ir um ex-GNR convosco, para vos proteger... Agora até dá vontade de rir." Mas Casimira não ri. Funcionária da escola secundária de Santa Comba Dão, onde trabalha também, como cozinheira, a mulher do "Tói", António Luís Rodrigues da Costa, o cabo reformado da GNR a quem a Polícia Judiciária atribui a autoria do homicídio de Joana, assim como de duas outras jovens da zona - Mariana e Cristina Isabel - , esta administrativa confessa que na última sexta-feira, quando soube da detenção do ex-militar, não foi capaz de guiar o seu automóvel para casa. "Tiveram de me ir buscar, estava muito desorientada."

Casimira, que era visita da casa de Tói ( "A última vez que lá fui esteve a mostrar-me aquelas fotos que tinha penduradas na garagem, do Salazar, do Américo Tomás , do papa João Paulo II, da irmã Lúcia, e eu, que sou toda anti-Salazar, até estive a entrar com ele..."), não voltou a ver a amiga Fernanda desde quinta-feira, quando a cozinheira lhe pareceu "muito esquisita". "Ela não quis dizer porquê, mas soube depois que acordou com a casa cercada pela Judiciária e a mandaram ir para o trabalho. Às 16.30 recebeu um telefonema da GNR e caiu num pranto. Disse a quem estava ao pé dela que o marido tinha matado as três raparigas e foi--se embora. Está em casa de um irmão, coitada. Liguei-lhe para lhe dar algum alento, mas ela diz que não quer ver ninguém, que nem vê as notícias. Então já imaginou, descobrir que uma pessoa com quem se vive trinta e tal anos é um assassino destes? Ela garantiu-me que nunca suspeitou de nada, que só o achou esquisito nos últimos tempos - que ele estava sempre deitado no sofá, sem ânimo para nada, que se estavam a acabar as alfaces e ele não semeava mais. 'Não sei o que se passa com o meu Tói', queixava-se ela. 'Já não trata da horta como antes.'"

Mortas na horta, em pleno dia

Terá sido aí, nos terrenos que rodeiam a sua casa e onde cultivava vinha, couves, alfaces e outros legumes, assim como algumas roseiras, que António Costa terá, em pleno dia, atacado e matado as duas últimas vítimas, Mariana e Joana, que moravam com os pais a curta distância. O facto de durante as horas de trabalho não haver ninguém nas imediações - todos os habitantes saem cedo e regressam apenas ao final do dia - terá permitido que ocorressem ali, a dois passos do caminho de gravilha que une a moradia número 20, a casa do ex-GNR, à número 22, dois homicídios de que ninguém suspeitou e que a PJ levou um mês e meio a deslindar. Um mês e meio em que, após o desaparecimento de Joana, a 8 de Maio, reportado pelos pais no próprio dia, a Judiciária, suspeitando de uma ligação com o sumiço de outra jovem da mesma zona, Mariana, seis meses antes, "acampou" no aglomerado semi-rural dos arredores de Santa Comba Dão que dá pelo nome de Cabecinha do Rei e foi unindo as peças do puzzle que levou à detenção de António Costa.

Terá sido esse cerco, talvez, e não o remorso - se o perfil psicológico de psicopata traçado pelos especialistas de investigação criminal em relação a homicidas em série se encaixa no caso de "Tói" -, a pesar no ânimo do marido de Fernanda. "Durante a caminhada para Fátima, no dia 19 de Maio, ele queixava-se muito das perguntas da Judiciária. Que estavam sempre a falar com ele e ia tudo dar ao mesmo, que não percebia porque não o largavam... Eu dizia-lhe que era normal que lhe fizessem perguntas por ele ser reformado e estar todo o dia por ali, que deviam querer saber se vira algo de estranho. Mas ele estava obcecado, não falava de outra coisa. E dizia que se tinha magoado num braço lá nas hortas, que tinha deitado sangue e que a polícia podia encontrar o sangue e implicá-lo. E eu sempre a dizer-lhe, 'Ó homem, então iam agora suspeitar de si? Você foi da polícia, sabe como essas coisas são... Eles perguntam o mesmo muitas vezes'."

O Santo António e a bruxa

Dois dias após a detenção do homem que em quadra a azul no azulejo branco exorta os outros a seguirem-lhe o exemplo "Se tens inveja do meu viver, trabalha, malandro", e que sobre a porta da casa pendurou uma bruxa de pano, em paralelo com a imagem de Santo António que abençoa a entrada da garagem - onde, rodeado de fotografias dos seus heróis, guardava o carro em que, presumivelmente, transportou os corpos das suas vítimas -, Cabecinha de Rei é uma parada de jornalistas. Repórteres de câmara, microfone em punho ou de bloco de notas na mão, recolhem mais um testemunho de incredulidade, mais um depoimento dos vizinhos e das famílias mortificadas.

Enquanto na barragem da Aguieira os bombeiros trazem para a margem um corpo, que se crê ser o de Joana (facto que só a autópsia, prevista para hoje, certificará) e que foi encontrado de acordo com as indicações dadas por "Tói", o pai da jovem, Fernando Oliveira, aguarda notícias, no pátio da sua casa. "Só de me lembrar que esse ladrão andava sempre aqui a perguntar se tinha novas da minha filha, a dizer-me para eu ter calma que ela devia ter fugido com um namorado como a Mariana, que estaria para o Brasil... Só invenções, para desviar as suspeitas. Mas alguém ia suspeitar dele, um amigo de há tantos anos, sempre pronto a ajudar? Um indivíduo destes que tem um escrúpulo tão grande que veio entregar um cabaz de Natal à família de uma rapariga que ele tinha matado... E que ainda na quarta-feira me veio perguntar se eu sabia que tinham encontrado um cadáver na barragem de não sei quê. Aquela palavra 'cadáver' deixou-me cá de uma maneira..."

Alertados pela TV da nova da recuperação de um corpo, vizinhos de rosto sombrio vêm prestar solidariedade ao pai de Joana, em abraços apertados que lhe soltam o choro. "Este meu amigo veio da Suíça", diz, entre lágrimas, indicando o caminho da casa, onde a mulher se guarda dos estranhos. Foi a ela que a PJ ligou na sexta-feira, ao meio-dia. "Telefonou-me logo, já a chorar. Estava a trabalhar, vim para casa a acelerar. Encontrei cá três sujeitos da PJ. 'Tem de ter muita calma e muita coragem. O ladrão que fez isto à sua filha já está preso. Mas ele matou-a e jogou com ela na barragem.'" Fernando Oliveira engole fundo, fixa o olhar no céu. "E a minha mulher perguntou: 'E posso saber quem foi?' Foi aí que eles disseram."

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